O Manifesto Dogma Feijoada e o Cinema Negro Brasileiro

 Por Kamila Gomes Fonseca  e Rita de Cássia da Silva Leão²

O Dogma Feijoada é um manifesto escrito no ano 2000 pelo cineasta Jeferson De em parceria com Noel Carvalho e outros importantes cineastas, no qual reivindicam novas formas de debater a questão racial e de representação da negritude no cinema.

Alguns pontos importantes sobre as produções que sigam esse manifesto:

1) O filme tem que ser dirigido por um realizador negro.

2) O protagonista deve ser negro.

3) A temática do filme tem de estar relacionada com a cultura negra brasileira.

4) O filme tem que apresentar um cronograma exequível.

5) Personagens estereotipados negros (ou não) estão proibidos.

6) O roteiro deverá privilegiar o negro comum brasileiro.

7) Super-heróis ou bandidos deverão ser evitados.


O cineasta Jeferson De.  (Foto: Divulgação)

¹Mestranda na PUC/SP. Diretora de Escola. Cine-educadora do Coletivo Janela Aberta Cinema & Educação.
²Antropóloga com doutorado pela PUC/SP. Cine-educadora do Coletivo Janela Aberta Cinema & Educação.



Noel Santos Carvalho (Foto: Divulgação)

A escolha do termo “dogma” faz alusão ao “Manifesto Dogma 95” – movimento do cinema dinamarquês que propunha uma realização mais realista e menos comercial. A intenção dessa paródia foi provocar uma reflexão, e não propor uma doutrina. Nesse sentido, a palavra “dogma” remete à rigidez, enquanto “feijoada” representa o permeável e a diversidade de ingredientes.

Mesmo que a expressão do manifesto seja uma brincadeira, sua agenda de reivindicações é muito séria e expõe a necessidade premente da presença de novos atores sociais no cinema nacional.

Vale ressaltar que esses protestos se integram à história do Movimento Negro no Brasil, que luta pela igualdade racial e contra o racismo. O manifesto foi assinado no ano 2000, em pleno período de retomada do cinema brasileiro, quando se conquistavam avanços nas políticas públicas para o setor e havia um intenso debate sobre o tema. Em outras palavras, o Dogma Feijoada propõe a fundação de um cinema protagonizado por pessoas negras.

Em 2001, no 5º Festival de Cinema do Recife, um grupo de cineastas, atores e atrizes assinou o Manifesto de Recife. Mais amplo e politizado que o Dogma Feijoada, esse manifesto reivindicava a participação dos afro-brasileiros não apenas no cinema, mas em todas as esferas da produção audiovisual. Vejamos seus pontos mais importantes:

  • O fim da segregação a que são submetidos os atores, atrizes, apresentadores e jornalistas negros nas produtoras, agências de publicidade e emissoras de televisão.

  • A criação de um fundo para incentivar a produção audiovisual multirracional no Brasil.

  • A ampliação do mercado de trabalho para atores, atrizes, técnicos, produtores, diretores e roteiristas afrodescendentes.

  • A criação de uma nova estética para o Brasil, que valorize a diversidade e a pluralidade étnica, regional e religiosa da população brasileira.

Ao Dogma Feijoada e o Manifesto do Recife somam-se as Leis 10.639/03 e 11.645/08³. Nesse contexto, o Cinema Negro pode ser um aliado à implementação dessas leis, que buscam superar desafios importantes na educação básica brasileira.

Os dois manifestos refletem um desejo comum de representação própria e integração ao mercado de produção cinematográfica. Ecoam os ideais de representatividade e inclusão do povo negro na sociedade brasileira, que já podiam ser vistos desde o surgimento do TEN (Teatro Experimental do Negro), na década de 1940.

Depois de 2012, quando ocorreram os primeiros editais de ações afirmativas para a produção audiovisual, o cinema negro passou por uma renovação impulsionada por jovens cineastas que abordaram questões raciais sob diferentes perspectivas. Os novos cineastas mantêm uma ligação com o cinema negro preconizado pelo Dogma Feijoada, em relação às propostas estéticas e políticas antirracistas.

Vale ressaltar que, nesse cenário, as cineastas negras introduziram novos elementos sensíveis nas produções, ao trazer diferentes pontos de vista, personagens e enredos relacionados à experiência feminina e a relação intergeracional, conectadas com a ancestralidade.

Sugestões de filmes

Curtas-metragens:

Baile
Direção: Cíntia Domit Bittar (Brasil, ficção, 2019, 18 min).
Disponível na plataforma PortaCurtas:
https://portacurtas.org.br/filme/?name=baile
E disponível na plataforma youtube:
https://www.youtube.com/watch?v=PO_iwPpkL0Q

Cores e Botas
Direção: Juliana Vicente (Brasil, ficção, 2010, 16 min)
Classificação indicativa: Livre
Disponível na plataforma youtube:

Salu e o Cavalo Marinho
Direção: Cecília da Fonte (Brasil, animação, 2014, 14 min)
Classificação indicativa: Livre
Disponível na plataforma youtube:

A Menina e o Tambor
Direção: Thiago Sacramento (Brasil, animação, 2010, 4 min)
História: Sônia Junqueira
Ilustrações: Mariângela Haddad 
Classificação indicativa: Livre
Disponível na plataforma youtube:

Nana & Nilo – Tempo de Brincar 
Direção: Sandro Lopes (Brasil, animação, 2018, 14 min)
Roteiro: Renato Noguera
Direção de Arte: Cris Pereira
Classificação indicativa: Livre
Disponível na plataforma youtube:
https://www.youtube.com/watch?v=_hYytXeOP1E

Longas-metragens:

Racionais: Das Ruas de São Paulo pro Mundo
Direção: Juliana Vicente (Brasil, documentário, 2022, 116 min)
Classificação indicativa: 14 anos
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Um Dia com Jerusa
Direção: Viviane Ferreira (Brasil, ficção, 2020, 74 min)
Classificação indicativa: 14 anos
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Medida Provisória
Direção: Lázaro Ramos (Brasil, ficção futurista, 2020, 94 min)
Classificação indicativa: 14 anos
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M8- Quando a Morte Socorre a Vida
Direção: Jeferson De (Brasil, ficção, 2019, 88 min)
Classificação indicativa: 14 anos
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Marte Um
Direção: Gabriel Martins (Brasil, 2022, 115 min)
Classificação indicativa: 16 anos
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³Lei 10.639/03 – “Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira”.
Lei 11.645/08 – “Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARVALHO, Noel dos Santos. Da senzala ao Dogma Feijoada: o negro no cinema brasileiro. PROART – Revista de Arte, Arquitetura, Comunicação e Design. v. 1, n. 1, p. 179-192, ago./dez. 2019.

CARVALHO, Noel dos Santos. O cinema em negro e branco. In: SOUZA, Edileuza Penha de (org.). Negritude, Cinema e Educação: Caminhos para a implementação da Lei 10.639/2003 (v. 1). 2. ed. Belo Horizonte: Maza Edições. p. 17-30.

CARVALHO, Noel dos Santos. Cinema negro brasileiro. Campinas: Papirus Editora, 2022.

DE, Jeferson. Dogma Feijoada: o cinema negro brasileiro. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo / Cultura – Fundação Padre Anchieta, 2005. 232 p. (Coleção Aplauso, Série Cinema Brasil).